Chegou afinal o grande dia! 12 de Janeiro de 2160, o dia da abertura da tal cápsula do
tempo que a vó Carmem sempre fala...
A
mãe da vó dela trabalhou na Caixa e no ano de 2010, quando a Caixa fez 150
anos, eles escreveram mensagens para deixar para as futuras gerações que foram
colocadas nessa cápsula, para serem abertas 150 anos depois.
A
vó conta que chamavam ela de vó Pink. Era doidinha a bisa1...Ela fazia um monte
de coisa ao mesmo tempo, e só coisa que não tinha nada a ver...fazia aula de
gaita, dança do ventre, alemão, esgrima, brincava volei, corria, ufa! Só de
falar eu já to cansada! Acho que ao invés de vó Pink deveria chamar vó Fôlego!
Ela
também lia muito e gostava de escrever. Isso eu puxei dela! Aaaamo escrever!
Vovó
fala que ela era alucinada assim por movimento, mas sempre foi muito
equilibrada. Economizava tudo, até a luz. Não saía de um ambiente sem antes
desligar todos os equipamentos eletrônicos e apagar as luzes. “Apagar as
luzes”...não sei nem o que é isso...se bisa1 visse tudo hoje com sensor de
presença para ligar e desligar ia ficar impressionada.
Eu
vi uma foto dela, vó Carmem mostrou. Ela tava bem nova ainda, abraçada com a bisa
Jú, mãe da vó Carmem. Toda tatuada! Eu disse que ela era maluquinha... Foi
quando eu vi as mechas Pink no cabelo dela. Achei que era por isso o seu
apelido, mas vó disse que foram uns amigos dela da Caixa de São Paulo que
colocaram, por causa de uma moça de um programa de televisão que se chamava
Pink e era doidona igual a ela.
A
mãe da vó Carmem já era menos elétrica. Júlia, esse era o nome da bisa2. Para
homenageá-la que minha mãe colocou o meu nome, mas Júlia Francisca? Será que
era realmente uma homenagem ou ela tava querendo tirar sarro de mim?
Bem,
voltando a falar da bisa Júlia, dizem que ela era elegantérrima. Alta, magra.
Também, era estilista, quer o quê? Ela foi muito famosa na época dela. Era
muito criativa e desenhava muito bem. É graças ao trabalho dela que temos esse
apartamento e-nor-me hoje e nosso sítio de novela. Mamãe nega, diz que a vó
Carmem tá ficando caduca, mas ela jura que tem uma grana aplicada no banco, que
a vó Jú deixou e ensinou a mamãe a guardar também.
Ah,
guardar...Pense numa mulherada econômica! Mamãe quando recebe separa logo o
dinheiro para colocar na poupança. Meu pai diz que isso é tic de família de
bancário. O engraçado é que de bancário na família só teve a bisa Pink...
Papai
vive duro. Nunca tem dinheiro pra nada. Paga tudo com atraso. A mamãe fica com
ódio. Mas ele nem liga, só faz rir. Diz que ela é que é anormal, econômica
demais, neurótica por poupança, igual à mãe, a vó, a bisa a...a...todas as
mulheres da família dela. Aí ela fica louca, diz que se não fosse pelo que
aprendeu com elas nós estávamos morando debaixo da ponte, porque ele é um
descontrolado, compulsivo, blá, blá, blá..aí ela entra no quarto, bate a porta
e ele vai dormir no quarto de família ( de visitas ). Ainda bem que isso só
acontece uma vez no mês, no dia do pagamento dele. Incompatibilidade de gênios? Não,
incompatibilidade de saldos...heheh
Eu
também tenho conta! E sabe, até que não é ruim não. Quando eu viajei pra
Londres, minha primeira viagem sozinha, Independência!!!!, Eu tinha um dinheiro
bom guardado, deu pra trazer um monte de coisinha fofa de lá.
Sem
falar na faculdade, que eu hei de passar! E que vai ser paga com o dinheiro da
previdência que minha mãe fez quando eu nasci. Igual minha mãe teve, minha, vó,
minha bisa...
Ai,
mamãe já está estressada. A vó Carmem tá pronta desde 7h. Mas a programação na
Caixa tá marcada pras 10h. Peenseee numa agonia! Coitada da vó, passou a vida
inteira ouvindo falar disso, agüentou 92 anos esperando e agora não consegue
esperar mais 3hs...
Eu
vou lá.
-
Ei mãe, relaxa, eu levo a vó.
-
Que maravilha! Assim eu fico mais tranqüila. Tá ouvindo mãe? A Júlia vai levar
você lá na Caixa.
-
Que bom bebê, assim você vai ver o que a geração passada deixou de ensinamento
pra gente e vai poder passar para as novas gerações também! Falando em novas
gerações, cadê aquele seu namoradinho que vivia por aqui? Sumiu...
-
MORREU! O André MORREU e eu já enterrei!
-
Morreu de quê minha filha? Foi acidente?
-
Júlia Francisca! Fala direito com sua avó! Fica falando essas coisas, ela pensa
que é verdade.
-
Foi mal vó, ele não morreu não, a gente terminou. Não quero mais saber dele. Homem
ciumento já é duro de encarar, neurótico então, nem se fale!
-
Mas você não tem mesmo sorte com os seus namorados não é minha filha...
-
Credo vó! Fui eu que terminei! Tenho sorte sim. Se estou só é por opção.
-
Opção dos homens...
-
Mãe!!
-
Calma filha, tô brincando...
-
Jú, você ainda vai tomar banho?
-
Claro né vó! Se bem que perto de uma coisa guardada há 150 anos, eu não devo
estar assim tão fedida...rsrsrs
-
Mas não demora minha filha! A gente já tá em cima da hora... - Tá doida vó! Agora que são 8h30.
Tá marcado pra começar às 10hs. Sabe o que você faz, pega aquele seu relógio de
família, aquele relógio ZEN, que não marca as horas, e fica aí me esperando. Como
é a poesia?
“Porque o tempo é uma invenção
da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.”
- Mário Quintana... Todas as mulheres da família foram apaixonadas
por ele...
-
Eu garanto que a gente vai chegar a tempo. Fica tranqui dona Carmem. Vou tomar
banho.
- Pronto vozinha, vamos!
-
Não Jú, aqui não, eu quero sentar mais pra frente.
-
Tá dona Carmem, vamos mais pra frente...Tá bom assim?
-
Agora tá. Eu não enxergo muito bem de longe...
-
Nem de perto...
-
Jú!
-
Psiu! Não dá “enxame” vó!
-
Ei vó, sem dar mancada, tem um carinha sentado ali do lado esquerdo, de gravata
e camisa amarelo clarinha...
-
Uniforme de bancário!
-
Quê?
-
Uniforme de bancário. Camisa de manga comprida e gravata, sem o paletó. Todo
bancário se veste assim e isso eu acho que é mais velho que a cápsula...rsrrs
-
Rsrsrsr...Então vó, disfarça e olha, porque eu acho que ele não tira o olho
daqui.
-
Rsrsrrs...É mesmo. E não deve ser pra mim que ele tá olhando...
-
Rsrsrsrr
-
Olha pra ele! Dá um sorriso pelo menos. Simpatia não faz mal a ninguém e
cumprimentos fazem parte da vida em sociedade...
-
Eu não! Nem conheço...
-
E nem vai conhecer pelo jeito...
-
Pára vó! Pronto, já vai começar.
Geeenten,
to me sentindo num filme! Abertura da Cápsula! Será que vai sair um ET ou um
sapo dançante? Rsrsr
Começaram
a ler as mensagens... Eita! 150 anos pra abrir e mais 150 anos pra terminar de
ler...
-
Ei vó, isso num acaba não?
-
Psiu! Fica quieta e deixa de ser implicante... É ela, é ela! A vó Pink! Vão ler
a mensagem dela!
-
“Não poupe!”
Ca-raaa-ca!
Até o cara que leu a mensagem ficou sem jeito. Eu sabia que minha bisa1 era
doida, mas maluca? Como é que ela trabalha no banco da poupança e deixa pras
futuras gerações uma frase dessas! Coitada da vó Carmem, tá como uma cara de paisagem...
Peraí, ainda tem mais, ai ai ai, o que será que essa maluca escreveu mais...
-“Não
SE poupe! Não SE economize. VIVA! Não poupe sorrisos. Não poupe lágrimas. Não
poupe elogios. Não poupe perdões. Não poupe beijos. Não poupe abraços. Não
poupe palavras. Não poupe o dia, não poupe a noite. Não poupe o tempo. Seja
feliz! O que sobrar, você guarda na CAIXA! Nós só aceitamos guardar o seu
dinheiro, o resto, queremos que você use. Gaste! Gaste muito! Gaste energia!
Gaste a vida! Não se preocupe com seu saldo. O da sua poupança aumenta
mensalmente quando são creditados juros e correção monetária. Mas o da sua
vida, esse é diário! É atualizado todas as manhãs quando você abre os olhos e
um dia inteiro lhe espera e esse sol maravilhoso lhe diz: Venha! E à noite ao
deitar você diz baixinho, HOJE EU VIVI!” De uma mulher que não poupou.
Geenteee,
que lindo! Até me arrepiei... tá todo mundo emocionado. Eu vou fazer uma
camiseta pra mim”Sou da família da mulher que não poupou”! Como minha bisa era
sensível! Nunca vi a vó Carmem tão emocionada... É, dessa vez até eu chorei...
-
Bora vó? Agora acabou né?
-
Vamos. Você gostou?
-
Se eu gostei? A bisa Pink era mor fofa! Muito lindo! Valeu vó, obrigada por
esse momento... Hi vó, chora não... Pára vai... Vem cá, me dá um abraço...
Pronto, agora vamos.
- Vó! vó! Peraí só um pouquinho...
Resolvi
me gastar...
Mexendo
no cabelo com displicência, virando o corpo beeem devagar e com elegância e... Pronto!
Gatinho de camisa amarela e gravata, aí vai um sorriso! Yes! Ele retribuiu! Meu
saldo diminuiu, menos um sorriso... Mas quem sabe outro não aumenta... Mais um
pretendente? Hehehehe... Só espero que essa história não demore mais 150
anos...
-
Vamos vózinha, vem. Eu te amo viu?
-
Eu também te amo minha filha!
-
Não se poupe vó!
-
Não se poupe Júlia Francisca!
-
Ê vó, me poupe!!!
-
Rsrsrsrsr...
-
Rsrsrrsr...
Esse texto foi escrito para um concurso de contos dos empregados da Caixa Econômica Federal, cujo tema era Poupança.