segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Você já foi à UTI “nêga”? Então não vá!

Vocês alguma vez imaginaram o que é a UTI para alguém que não está em coma?

Então eu vou começar a contar...

Sabe o joguinho do Mário Bros? Aquele mesmo... Mas o da musiquinha mais infernal que vocês puderem imaginar!
Pensou? Agora não joga ele não! Apenas deixa ligado. No volume máximo, que é para o Mestre dos Médicos poder ouvir!
Calma, que tá pouco! Liga ele em 30 TVs simultaneamente!! Cada um em uma fase!

Ah, detalhe!! Às vezes ele trava, e dispara um barulho diferente e mais alto para chamar a atenção dos assessores do mestre, também conhecidos como enfermeiros! Mas como eles travam muito e por qualquer descompasso de um coração mais desatento ou uma pressão um pouco abaixo ou acima do padrão, eles nem ligam, e o barulho fica lá, disparado, gritando, berrando, implorando!
Mas ninguém se incomoda! Eles já estão acostumados.  E os pacientes estão todos em coma... Ou quase todos...

Então, aqui começa a nossa saga! Ou melhor dizendo, minha saga no Lado Barulhento da Força!

Fiquei longe do Blog porque dessa vez fui fazer uma viagem diferente...
Incentivado pelos acontecimentos de 2016, meu coração resolveu dar um golpe!! Isso mesmo! Tomou o poder e decidiu que não queria mais trabalhar! E lá fui eu pra UTI!!
Com um singelo detalhe, lúcida!

Fiquei em um leito em frente a mesa do médico. Dele eu podia ouvir todos os diagnósticos, todas as prescrições, as conversas, os telefonemas, acompanhar as trocas de plantão e no final do dia eu estava exausta!!

Mas o pior de tudo era o barulho infernal daquele vídeo game 24h sem parar.
Se existir inferno, ele deve ser no formato de uma UTI!

A novidade da estadia: um corpo tatuado causa um reboliço na UTI!
Não, nenhum velhinho acordou, mas passei madrugadas soletrando o nome da minha tatuadora... Mais de 30 tatuagens mexem com muita imaginação...

Os únicos acordados lá: Eu, um velhinho conversador e uma velhinha que passou bem ruim no primeiro dia que cheguei.

O senhor se revoltou e tentou fugir logo no primeiro dia dele. Quis bater no médico. Eu ri muito. Ele disse que ia quebrar todos aqueles aparelhos! Eu fiquei com vontade de formar fila atrás dele. A outra senhora não descia da cama. Achei que ia dar muito na cara uma fila só de uma pessoa, então fiquei na minha... Ligaram pra família dele e eles vieram buscá-lo. 
Ele teve que ser internado novamente no mesmo dia em outra UTI. Isso matou meus planos revolucionários e eu desmarquei a reunião daquela noite no leito da velhinha.

Eu achei que ia ficar somente uma noite internada. Não gosto de ir a banheiro fora de casa. É tão psicológico que não sinto nem vontade. Eu saio pras baladas, bebo e normalmente só vou em casa. Nem adianta me dizer que faz mal e blá blá blá. Quando dá vontade eu vou. Mas não dá a porra da vontade!

Então, me internei no inicio da noite. Passei a noite de boa, achando que no outro dia cedo iria pra casa. Então, iria ao banheiro em casa, lógico!
De manhã, a enfermeira perguntou se eu havia ido ao banheiro.
Detalhe que você fica toda conectada em fios, se eu tivesse ido até o facebook saberia, imagina eles, mas, eu respondi que não.
- Ah, então temos que colocar uma sonda em você!!
Eu, completamente em pânico, mas fazendo cara de que nem tinha entendido:
- Não, não precisa nada disso! Eu posso ir. Eu vou agora. Inclusive você pode me levar? Pode ser rápido? É que eu tô super apertada...
Ah o ser humano... Não existe criatura mais adaptável! E dissimulada.

Percebi que todos os médicos ligavam para uma pessoa durante seus plantões. Relatavam tudo. Pediam conselhos. Tiravam dúvidas.
Eu dei o nome de Dr. House para esse ser supremo do outro lado da linha.
Até o dia que um médico plantonista não ligou para ninguém. E eu finalmente descobri quem era o ser misterioso! Conversando com a fisioterapeuta ela confirmou minhas suspeitas: Aquele médico era sim o Dr. House! 
Yes!! Meu primeiro caso solucionado!!

Eu sabia o nome de todos os pacientes, dos parentes que iam visitá-los, da maioria dos enfermeiros, os dias de plantão, onde moravam, se tinham filhos... Sabia até a prescrição dos remédios de meus vizinhos mais próximos. Isso fazia meus dias passarem mais produtivamente.

Os enfermeiros não se conformavam de eu não ligar a televisão. Mas como eu poderia prestar atenção nas pessoas com a televisão ligada?

Fiquei triste quando dona Flor* foi transferida. Ela estava com duas bactérias e bem debilitada. Era a outra senhora que estava acordada. Mas não estava lúcida de verdade...
Um dia ela insistiu com a enfermeira que queria descer da cama. Ela não podia. Tinha várias sondas. Disse que queria pegar uma vela. A enfermeira disse que ela estava na UTI, ali não havia nenhuma vela!
- Eu sei que aqui é a UTI e não tem velas! Eu é que tenho uma! Tá aí, nas minhas coisas!!
Rsrsrs... Na UTI não temos “coisas”. Você entra sem nada. E torce pra sair sem nada também.

Por eu ser uma praticante de esportes, meu coração em repouso fica com os batimentos bem fracos. Quando eu começava a dormir, ele batia menos que o mínimo esperado para uma pessoa “normal” e isso disparava o alarme, que não chamava a atenção de ninguém, apenas de uma pessoa: a que estava tentando dormir ao lado da porra do monitor que não parava de gritar!

Eu não sou muito das informáticas, mas a necessidade faz a mulher... E na terceira noite de encaralhamento sem poder dormir com aquele barulho, eu fiquei estudando aquele monitor e seus botões touch screen e consegui me enrolar pelos fios, feito uma naja tatuada, até chegar nele e desarmar o tal do alarme do coração!

Aprendi a desarmar também o alarme da pressão, pois a minha é muito baixa e era outro que vivia disparando!
E eu virei a Diva Tecnológica da UTI!

Foram dias longos, insanos e difíceis.
Hoje estão distantes, meio borrados, com um gosto de nunca mais!

Como eu sempre vivi meu último dia hoje, meu único aprendizado foi sabotar o monitor, porque valorizar os momentos, não deixar nada para amanhã, amar incondicionalmente, isso eu já venho fazendo diariamente!

E foi assim que a UTI salvou mais uma vida...

*Nome fictício para preservar a identidade da Dona Aurora. (Sacanagem)

Espero que minha colega tenha ficado boa! O Che Guevara da UTI eu sei que ficou!



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