Vocês alguma vez
imaginaram o que é a UTI para alguém que não está em coma?
Então eu vou
começar a contar...
Sabe o joguinho
do Mário Bros? Aquele mesmo... Mas o da musiquinha mais infernal que vocês
puderem imaginar!
Pensou? Agora
não joga ele não! Apenas deixa ligado. No volume máximo, que é para o Mestre
dos Médicos poder ouvir!
Calma, que tá
pouco! Liga ele em 30 TVs simultaneamente!! Cada um em uma fase!
Ah, detalhe!! Às
vezes ele trava, e dispara um barulho diferente e mais alto para chamar a
atenção dos assessores do mestre, também conhecidos como enfermeiros! Mas como
eles travam muito e por qualquer descompasso de um coração mais desatento ou
uma pressão um pouco abaixo ou acima do padrão, eles nem ligam, e o barulho
fica lá, disparado, gritando, berrando, implorando!
Mas ninguém se
incomoda! Eles já estão acostumados. E
os pacientes estão todos em coma... Ou quase todos...
Então, aqui
começa a nossa saga! Ou melhor dizendo, minha saga no Lado Barulhento da Força!
Fiquei longe do
Blog porque dessa vez fui fazer uma viagem diferente...
Incentivado pelos acontecimentos de 2016, meu
coração resolveu dar um golpe!! Isso mesmo! Tomou o poder e decidiu que não
queria mais trabalhar! E lá fui eu pra UTI!!
Com um singelo
detalhe, lúcida!
Fiquei em um
leito em frente a mesa do médico. Dele eu podia ouvir todos os diagnósticos,
todas as prescrições, as conversas, os telefonemas, acompanhar as trocas de
plantão e no final do dia eu estava exausta!!
Mas o pior de
tudo era o barulho infernal daquele vídeo game 24h sem parar.
Se existir
inferno, ele deve ser no formato de uma UTI!
A novidade da
estadia: um corpo tatuado causa um reboliço na UTI!
Não, nenhum
velhinho acordou, mas passei madrugadas soletrando o nome da minha tatuadora...
Mais de 30 tatuagens mexem com muita imaginação...
Os únicos
acordados lá: Eu, um velhinho conversador e uma velhinha que passou bem ruim no
primeiro dia que cheguei.
O senhor se
revoltou e tentou fugir logo no primeiro dia dele. Quis bater no médico. Eu ri
muito. Ele disse que ia quebrar todos aqueles aparelhos! Eu fiquei com vontade
de formar fila atrás dele. A outra senhora não descia da cama. Achei que ia dar
muito na cara uma fila só de uma pessoa, então fiquei na minha... Ligaram pra família
dele e eles vieram buscá-lo.
Ele teve que ser internado novamente no mesmo dia
em outra UTI. Isso matou meus planos revolucionários e eu desmarquei a reunião
daquela noite no leito da velhinha.
Eu achei que ia
ficar somente uma noite internada. Não gosto de ir a banheiro fora de casa. É
tão psicológico que não sinto nem vontade. Eu saio pras baladas, bebo e
normalmente só vou em casa. Nem adianta me dizer que faz mal e blá blá blá.
Quando dá vontade eu vou. Mas não dá a porra da vontade!
Então, me internei
no inicio da noite. Passei a noite de boa, achando que no outro dia cedo iria
pra casa. Então, iria ao banheiro em casa, lógico!
De manhã, a
enfermeira perguntou se eu havia ido ao banheiro.
Detalhe que você
fica toda conectada em fios, se eu tivesse ido até o facebook saberia, imagina
eles, mas, eu respondi que não.
- Ah, então
temos que colocar uma sonda em você!!
Eu,
completamente em pânico, mas fazendo cara de que nem tinha entendido:
- Não, não
precisa nada disso! Eu posso ir. Eu vou agora. Inclusive você pode me levar?
Pode ser rápido? É que eu tô super apertada...
Ah o ser
humano... Não existe criatura mais adaptável! E dissimulada.
Percebi que
todos os médicos ligavam para uma pessoa durante seus plantões. Relatavam tudo.
Pediam conselhos. Tiravam dúvidas.
Eu dei o nome de
Dr. House para esse ser supremo do outro lado da linha.
Até o dia que um
médico plantonista não ligou para ninguém. E eu finalmente descobri quem era o
ser misterioso! Conversando com a fisioterapeuta ela confirmou minhas suspeitas:
Aquele médico era sim o Dr. House!
Yes!! Meu primeiro caso solucionado!!
Eu sabia o nome
de todos os pacientes, dos parentes que iam visitá-los, da maioria dos
enfermeiros, os dias de plantão, onde moravam, se tinham filhos... Sabia até a prescrição
dos remédios de meus vizinhos mais próximos. Isso fazia meus dias passarem mais
produtivamente.
Os enfermeiros
não se conformavam de eu não ligar a televisão. Mas como eu poderia prestar
atenção nas pessoas com a televisão ligada?
Fiquei triste
quando dona Flor* foi transferida. Ela estava com duas bactérias e bem
debilitada. Era a outra senhora que estava acordada. Mas não estava lúcida de
verdade...
Um dia ela
insistiu com a enfermeira que queria descer da cama. Ela não podia. Tinha
várias sondas. Disse que queria pegar uma vela. A enfermeira disse que ela
estava na UTI, ali não havia nenhuma vela!
- Eu sei que
aqui é a UTI e não tem velas! Eu é que tenho uma! Tá aí, nas minhas coisas!!
Rsrsrs... Na UTI
não temos “coisas”. Você entra sem nada. E torce pra sair sem nada também.
Por eu ser uma
praticante de esportes, meu coração em repouso fica com os batimentos bem
fracos. Quando eu começava a dormir, ele batia menos que o mínimo esperado para
uma pessoa “normal” e isso disparava o alarme, que não chamava a atenção de
ninguém, apenas de uma pessoa: a que estava tentando dormir ao lado da porra do
monitor que não parava de gritar!
Eu não sou muito
das informáticas, mas a necessidade faz a mulher... E na terceira noite de
encaralhamento sem poder dormir com aquele barulho, eu fiquei estudando aquele
monitor e seus botões touch screen e consegui me enrolar pelos fios, feito uma
naja tatuada, até chegar nele e desarmar o tal do alarme do coração!
Aprendi a
desarmar também o alarme da pressão, pois a minha é muito baixa e era outro que
vivia disparando!
E eu virei a
Diva Tecnológica da UTI!
Foram dias
longos, insanos e difíceis.
Hoje estão
distantes, meio borrados, com um gosto de nunca mais!
Como eu sempre
vivi meu último dia hoje, meu único aprendizado foi sabotar o monitor, porque
valorizar os momentos, não deixar nada para amanhã, amar incondicionalmente,
isso eu já venho fazendo diariamente!
E foi assim que
a UTI salvou mais uma vida...
*Nome fictício
para preservar a identidade da Dona Aurora. (Sacanagem)
Espero que minha
colega tenha ficado boa! O Che Guevara da UTI eu sei que ficou!
Nenhum comentário:
Postar um comentário